domingo, 19 de setembro de 2010

Crônica de um crime ambiental anunciado

Ariane Laurenti

Os golfinhos somos nós 
Celso Martins

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CRÔNICA DE UM CRIME
AMBIENTAL ANUNCIADO
Por Ariane Laurenti*

OSX = ÓCIO, SUJEIRA E XEPA

A Organização das Nações Unidas (ONU) define oficialmente poluição marinha como sendo a introdução direta ou indireta, por parte do homem, de substância e energia capazes de produzirem efeitos negativos sobre os recursos biológicos, sobre a saúde humana, sobre atividade marítima e sobre a qualidade da água.

Dentre as atividades consideradas como modificadoras das condições naturais de um ambiente está aquela promovida pela alteração geofísica do ambiente, como a construção de moles, de portos, de marinas, a retificação de rios entre outras. Em geral as conseqüências negativas imediatas ocorrem na zona litorânea, com alteração da direção de correntes e modificações na biocenose resultando em invasão da zona de areia pelo mar, modificação na sedimentação e na natureza físico-química de ambientes aquáticos, salinização de lagoas costeiras e no desaparecimento de espécies de pescado nativo (como tem sido verificado em Florianópolis e em todo litoral catarinense).

A acepção mais em voga de conservação do ambiente, embora nem moderna e tampouco revolucionária, pois, continua a dar um valor de uso mercadológico à natureza, é a da sustentabilidade, que prevê o uso racional do ambiente natural com o objetivo de prover uma melhoria na qualidade de vida da humanidade. Essa concepção implica problemas sejam de ordem social e econômica que científica e cultural. O critério fundamental da conservação é a aplicação da pesquisa cientifica em intervenção técnica e jurídico-administrativa. Portanto a moderna política de conservação ambiental tende a estabelecer, através de competências diversas, a possibilidade do uso integrado e equilibrado dos recursos humanos e do ambiente de modo a individuar os métodos mais adequados de desenvolvimento e gestão. 

A poluição e a forma abusiva com que os ambientes costeiros têm sido tomados terminam por fazer com que os elementos da natureza com capacidade de renovação, vulgar e erroneamente tratados como recursos naturais renováveis, incluindo-se aí os pescados e todo o entorno que mantém o equilíbrio para a produção dos mesmos, passem de renováveis a extintos. Donde é preciso que uma política de desenvolvimento sustentável saiba reconhecer a verdadeira interação entre ecossistemas já humanizados e ecossistemas que devem ser confinados e protegidos integralmente, ou seja, não valorados como mercadoria, para que o patrimônio genético de espécies não seja perdido para sempre e que a diversidade genética seja conservada principalmente salvaguardando áreas onde as espécies se reproduzem e vivam preferencialmente.

O parecer técnico, realizado sobre o EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental-Relatório de Impacto no Meio Ambiente) do Projeto de Instalação do Estaleiro OSX, sobre o qual se baseou a Coordenação Regional da ICMbio Florianópolis, responde de forma eficiente, competente e eticamente responsável  do ponto de vista técnico e sócio-ambiental as incongruências, inconsistências e incompetências na elaboração do documento apresentado pelo empreendimento. Não se pode negligenciar esse conhecimento disponibilizado para ponderar sobre a indefensável instalação desse estaleiro.

Tomei conhecimento de esclarecimentos sobre o projeto para a instalação do Estaleiro OSX fornecidos pelas empresas OSX e a de consultoria que realizou o EIA-RIMA do mesmo, pela matéria do Diário Catarinense em 24/07/2010.

Foi muito esclarecedor principalmente porque a minha suspeita se verificou: o projeto é de fato um atentado ambiental.

Espremendo o conteúdo das declarações realizei uma releitura sucinta das mesmas. Pude aferir então que:

1) os botos-cinza já são estressados por problemas na região e que as obras do estaleiro serão apenas mais um problema, mas a OSX tem um plano, secreto creio, para melhorar as condições dos botos e de monitoramento da água, e tudo isso com um fundo próprio;

2) o local do estaleiro foi escolhido para a OSX para economizar em transporte e assim lucrar mais, além de não se preocupar com infraestrutura e outros problemas relativos a trâmites político-financeiros;

3) a OSX irá colaborar com os planos de manejo das unidades de conservação, mas como, ainda não sabe;

4) contrapartida a OSX não oferece, mas vai sugerir ao poder público melhorias infraestruturais para o empreendimento, mas que acabarão também por asfaltar qualquer rua em algum bairro por onde os caminhões transitarão e será a diversão dos moradores com a trepidação das casas;

5) a OSX está treinando pessoas para trabalharem na obra através de convênio com o SENAI (Serviço Nacional da Indústria) e que, está assumindo o prejuízo no caso do projeto não ser implantado (devo confessar que não entendi o prejuízo, afinal não é o SENAI? A OSX se responsabiliza em pagar o tempo que o pretenso empregado se preparou? Ou será que foi por conta e risco do coitado que de certeza não dispõe dos recursos da OSX?);

6) o empreendedor irá mitigar o dano ambiental dragando o canal e o sedimento coletado será jogado em terra para não contaminar o mar, já que na terra não tem problema, afinal o lençol freático só serve como fonte de água potável; também irá fazer um reflorestamento de mangue (Entendem mesmo do negócio ambiental. Será que irão colocar o berbigão, os caranguejos e a matéria orgânica de plástico para “defalsa”?  Seria uma boa, heim? Qual é o problema, pois segundo a ONU, o desmatamento e a degradação de manguezais já causa um prejuízo/ano de 2,5 a 4,5 trilhões de dólares à economia global, o que são alguns milhões a mais?);

7) serão dois navios/ano e seis no ápice (Todo esse dano ambiental e um terreno de 155,33 hectares para produzir 2 navios?);

8) a mão de obra da construção do estaleiro será 80% local (lógico, o trabalho braçal qualificado da construção) e que depois será de 90% (os locais serão os 90% braçais e os demais 10% que completam 100%, de graduados, chefes e algum executivo de confiança, serão locais se o patrão necessitar dos ditos “testas de ferro”);

9) se faltar peixe durante a intervenção temporária a OSX irá pagar, segundo um censo, valores relativos a quantidades e número de pescadores, mas, se o dano for permanente, os envolvidos farão um plano de sustentabilidade da pesca conjunto (vai ser um placar e tanto, se tomarmos como exemplo a história dos acordos: poder econômico X trabalhadores brasileiros).

Mediante tais declarações me ocorreu uma releitura alternativa e mais compatível para a sigla OSX: ÓCIO, SUJEIRA e XEPA.

O Ócio ficará a cargo dos que o podem cultivar, seja o ócio do De Masi, que só encontra espaços nos criativos, ou seja, nos que podem dedicar o seu tempo a produzir novas idéias, seja aquele ócio típico dos usurpadores que se deleitam gastando o fruto da sua espoliação.

A Sujeira restará às populações do entorno da baia de São Miguel, da paradisíaca Governador Celso Ramos, das praias do extremo norte e da baía norte de Florianópolis, cujas águas contaminadas danificarão as culturas marinhas, aportarão perdas substanciais à pesca artesanal, turística e industrial e ao ramo turístico e hoteleiro; o sistema hidrogeológico modificado fará sofrer as espécies existentes, as águas encontrarão novas rotas invadindo com águas salgadas e outras substâncias possíveis fontes de água doce superficiais e subterrâneas, que serviriam para milhares de pessoas de toda a grande Florianópolis, entre outros crimes ambientais.

A Xepa ficará para as ingênuas e iludidas comunidades que acreditam nas promessas de redenção do seu estado de pobreza para o de um cidadão “de bem”. Que crêem, irão passar a pertencer a uma cidade que finalmente não será apenas dormitório, mas, será também aquela cidade que, apesar de continuar a ser conhecida como aquela que fica perto de Florianópolis, terá um grande estaleiro.

Mas um dia finalmente será conhecida no Brasil como a Biguaçú, aquela cidade que foi palco de um dos maiores crimes ambientais praticados em uma área marinha, a ser preservada, no sul do Brasil.

*Ariane Laurenti é professora da Universidade Federal de Santa Catarina, Doutora em Química Ambiental pela Universidade de Veneza-Itália.

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 Os golfinhos somos nós!(1)


Por Celso Martins

A mídia nacional tem batido numa tecla: a licença ambiental do Estaleiro OSX pode ser negada por causa dos golfinhos. As fontes têm sido o empresário Eike Batista e seu preposto Paulo Monteiro, enfatizando ambos os estudos da CERTI visando a proteção dos golfinhos residentes na APA de Anhatomirim. O impasse é apresentado como o nó a ser desatado, o empecilho a ser removido, a grande pedra no sapato do empreendimento.

A insistência cheira a armadilha, engodo, tentativa de desviar o foco do problema e atrair "ambientalistas" que defendam os golfinhos para colocá-los contra aqueles que acreditam em quatro mil empregos.

O grande problema do Estaleiro OSX em Biguaçu/Baía Norte de Florianópolis é o dano irreversível às atividades de pesca e maricultura, sobretudo pela dragagem do canal de quase 14 quilômetros de extensão e nove metros de profundidade ao longo de quase um ano. E a posterior manutenção, no mínimo anual, do leito a ser aberto. O alerta das restrições à pesca e as ameaças à maricultura estão no EIA-RIMA do empreendimento, começando pela turbidez da água devido a dragagem do canal e podendo chegar à liberação do arsênio nas águas.

Os cerca de 2.500 pescadores existentes na Baía Norte de Florianópolis, responsáveis pela captura anual de aproximadamente 500 toneladas de peixes e camarões, vão ter suas atividades diretamente afetadas. As comunidades em que se concentram as colônias pesqueiras serão desestruturadas social e economicamente, acabando em definitivo com a qualidade de vida existente na região. Tudo isso terá reflexos profundos na atividade turística e afetará negativamente toda a cidade.

Nada disso ou muito pouco está presente no EIA do Estaleiro OSX, como podemos observar na “Nota técnica: Impactos potenciais do Estaleiro sobre a pesca artesanal”, assinada pelo oceanógrafo Rodrigo Pereira Medeiros e a bióloga Carina Catiana Foppa. As falhas e omissões no referido EIA também são apontadas no “Parecer independente” de um grupo de professores e pesquisadores brasileiros encabeçado pelo doutorando Leopoldo Cavaleri Gerhardinger, oceanógrafo da ECOMAR (Associação de Estudos Costeiros e Marinhos).

É isso que nos coloca em oposição ao Estaleiro OSX, defendido com unhas e dentes por esquerda, centro e direita, do PT ao DEM, do PP ao PMDB, PC do B e que tais, interessados no financiamento dos gastos com a campanha e temerosos de perder votos. A única exceção é o professor Valmir Martins, candidato do PSOL: ele bem que tentou introduzir o tema na campanha eleitoral, mas foi recebido pelo silêncio cúmplice dos demais candidatos ao Governo do Estado.

Os golfinhos que mais nos preocupam não são os cetáceos. Estamos sensibilizados com os golfinhos que caminham sobre duas pernas e possuem uma cabeça sobre o tronco. E que sonham, pescam, se inspiram, navegam, mergulham, elaboram canções, produzem ostras e mariscos, sentem o cheiro do mar e não querem ver tudo isso acabado, pois os golfinhos somos nós!  


Confira mais matérias:

Os botos da discórdia. “Em Santa Catarina, os golfinhos viraram atração turística por, entre outras coisas, atrapalhar os planos do bilionário carioca Eike Batista”. Por Júlia Gouveia.

Os botos contra Eike Batista. “Um grupo de golfinhos pode impedir a construção de um estaleiro de R$ 3 bilhões em Santa Catarina. Dá para conciliar desenvolvimento e preservação?” Por Marina Franco.
Ele não contava com os golfinhos. “O empresário Eike Batista descobriu que é (bem) mais difícil convencer ambientalistas a aprovar a construção de seu estaleiro do que atrair investidores para o projeto”. Por Roberta Paduan, editora da revista Exame.


PRESERVAR SEMPRE, PELA VIDA!

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