A necessidade de investimentos e re-estruturação do setor portuário brasileiro é um discurso político eminente entre os candidatos à presidência da República. De fato, as notícias e sensações que circulam é que o Brasil emergente está crescendo e buscando aumentar a sua liderança no cenário econômico e geopolítico mundial.
Não somente a descoberta e previsão de exploração das reservas de óleo do Pré-Sal estimulam os investimentos no setor, mas muitos outros commodities como os biocombustíveis e produtos da agricultura extensiva, parecem não encontrar o espaço e estrutura necessária na complicada agenda dos principais portos brasileiros.
Nos últimos dois anos, inúmeros projetos foram submetidos ao processo de licenciamento ambiental em Santa Catarina. Dentre eles, especial destaque a pelo menos dois empreendimentos que estão trazendo à tona temas e discussões ao mesmo tempo importantes e preocupantes: o Porto ‘Terminal Marítimo Mar Azul’ na Baía da Babitonga, em São Francisco do Sul e o ‘OSX Estaleiro’, em Biguaçu - grande Florianópolis.
A área proposta para o OSX Estaleiro, por exemplo, é de destacada relevância socioambiental, com enorme potencial para o desenvolvimento do turismo ecológico e cultural e ampla incidência da pesca artesanal, além de estar nas imediações de três Unidades de Conservação Federais.
Estes dois projetos possuem algumas semelhanças, como alertam pesquisadores e ambientalistas de Santa Catarina e da Rede Meros do Brasil. Ambos trazem penosos e conflituosos processos de licenciamento ambiental que revelam uma abordagem oportunista de desenvolvimento do setor portuário, sem um macroplanejamento estratégico em nível nacional e com muito descaso pelo contexto local. À parte da grande repercussão e controvérsia socioeconômica e política, há outro perigoso precedente comum nestes projetos: análises de viabilidade ambiental negligentes, tendenciosas e de baixa e preocupante qualidade técnica. Vale lembrar que no Brasil, o processo de licenciamento ambiental é obrigatório por lei para o setor portuário, e deve ser preparado por profissionais competentes e empresas especializadas em consultoria ambiental, que são escolhidas e contratadas pelos próprios empreendedores para a preparação dos chamados Estudos de Impacto Ambiental (EIA).
Em Santa Catarina, poucas são as empresas de consultoria ambiental que oferecem serviços altamente qualificados e comprometidos com o desenvolvimento ordenado e justo, levando em consideração aspectos sociais, a comunidade do entorno e a real preservação da biodiversidade local.
As empresas de consultoria ambiental responsáveis pelos dois projetos em Santa Catarina vêm sendo alvo de pesadas críticas por estarem envolvidas no uso inapropriado do conhecimento científico para embasar Estudos de Impacto Ambiental. Para denunciar este abuso foram produzidos dois pareceres independentes elaborados por 18 pesquisadores de diversas universidades e organizações não governamentais brasileiras que revelam os pontos conflituosos do relatório.
“Estes exemplos são verdadeiros escândalos do ponto de vista científico, e refletem um problema maior nos processos de licenciamento ambiental brasileiro que é o vínculo indiscriminado entre empresas de consultoria ambiental, universidades e empreendedores”, destaca o biólogo, Doutor em Ecologia e coordenador técnico da Rede Meros do Brasil, Mauricio Hostim-Silva.
O parecer alerta que as empresas de consultoria ambiental vêm negligenciando ou lidando de maneira superficial com o tema da bioinvasão marinha, impactos sobre espécies ameaçadas e Unidades de Conservação (UC) Marinhas Federais, e os efeitos perversos dos empreendimentos sobre as comunidades de pescadores artesanais. “Além disso, as empresas sequer consideram, ou então desmerecem, os estudos que vêm sendo realizados há muitos anos por pesquisadores das universidades da região”, comenta o biólogo da Associação de Estudos Costeiros e Marinhos (ECOMAR), Fabiano Grecco de Carvalho.
Outra questão complicada é que o mega-estaleiro OSX está sendo idealizado nas imediações da Reserva biológica Marinha do Arvoredo, que é fundamental para a conservação de espécies com importância ecológica e econômica para a região e ficaria extremamente vulnerável aos impactos do tráfego intenso de navios em seu entorno, que são potenciais vetores de espécies exóticas, explica o Oceanógrafo Doutor em Ecologia, Athila Bertoncini, também um dos autores do documento independente. “Nesta região são encontradas as últimas populações de espécies marinhas tropicais”, destaca o biólogo Sergio Floeter, professor da Universidade Federal de Santa Catarina e Doutor em Ciências Ambientais.
O oceanógrafo, Mestre em Conservação Leopoldo Cavaleri Gerhardinger, observa que em função da baixa competência técnica das empresas em algumas áreas, elas acabam sub-contratando profissionais inexperientes, pouco compromissados com a região, até mesmo de universidades estrangeiras, que muitas vezes usam tendenciosamente o seu conhecimento científico de maneira favorável à análise de viabilidade ambiental. Com pesar, o oceanógrafo desabafou recentemente em uma ‘carta aberta’ amplamente veiculada pela internet1, sua indignação com a conduta de colegas de profissão. “Estão, na verdade, engajados em um discurso puramente desenvolvimentista disfarçado sob o rótulo de desenvolvimento sustentável”, frisa.
As reivindicações e estudos também orientam para maior participação das comunidades litorâneas nos processos de licenciamento ambiental. A oceanógrafa, mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente Maira Borgonha avalia a recorrência assustadora do saber científico e da urgência política empregada em prejuízo das comunidades locais. “Nossos pareceres mostram que as pessoas têm sua vida, história e identidade intimamente ligadas e dependentes de um oceano saudável, mas os EIAs não estão considerando o amplo conhecimento das comunidades pesqueiras sobre as áreas de trabalho nem procurando envolvê-los no processo de maneira satisfatória”, desabafa.
Neste sentido, é importante a divulgação destas inconsistências a fim de dar atenção ao processo e a conseqüente preservação ambiental. Os pesquisadores avaliam que é preciso maior controle e acompanhamento do Estado e de seus diversos Ministérios com mandato sobre a área marinha. “Os órgãos ambientais estaduais não atuam em processos transparentes e costumam estar sujeitos à vontade política favorável ao crescimento econômico imediatista à todo custo”, completa Carlos Eduardo Leite Ferreira, Doutor em Ecologia, docente da Universidade Federal Fluminense e também co-autor das análises independentes.
Os pareceres foram oficialmente protocolados no Instituto Chico Mendes de Conservação da Natureza (ICMBio), FATMA (órgão ambiental estadual de Santa Catarina) e Ministério Público Federal e Estadual, e estão sendo analisados por estes órgãos. Os questionamentos de ambos ainda não foram respondidos pelas empresas de consultoria.
Os pareceres podem ser baixados no website da Rede Meros do Brasil - www.merosdobrasil.org
1 http://www.globalgarbage.org/blog/index.php/2010/08/19/o-mega-estaleiro-em-biguacu-a-ciencia-e-o-diada-vergonha/
Fonte: www.portaldomeioambiente.org.br
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