sábado, 4 de setembro de 2010

Parecer aponta fragilidades do EIA-RIMA do Estaleiro OSX e confirma danos à pesca artesanal


Por Celso Martins

O Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) elaborado pela empresa Carujo Jr. para Estaleiro OSX, “não oferece condições para uma análise consistente” dos impactos na atividade pesqueira artesanal. A conclusão está no parecer técnico independente intitulado Nota técnica: Impactos potenciais do Estaleiro sobre a pesca artesanal, assinado pelo oceanógrafo Rodrigo Pereira Medeiros e a bióloga Carina Catiana Foppa. Os poucos dados contidos no documento, mesmo assim, são suficientes para assegurar que os dados ambientais do empreendimento podem inviabilizar a “continuidade da atividade pesqueira” na região.

O documento foi elaborado voluntariamente pelos autores, “tomando por base as solicitações de pescadores artesanais para uma análise independente a respeito dos impactos potenciais sobre a atividade pesqueira”. Os dois estudaram o EIA/RIMA e os documentos complementares, comparando com dados e pesquisas sobre atividade pesqueira da região, chegando às seguintes conclusões:

“a) o empreendimento, ao ser implantado irá fatalmente tornar inviável a atividade pesqueira local em curto prazo;

b) os relatórios e documentos apresentados não permitem uma caracterização consistente sobre as inúmeras relações que envolvem a atividade pesqueira artesanal, pois se limitaram apenas à caracterização da atividade produtiva;

c) as análises apresentadas negligenciaram efeitos de longo prazo em escala regional sobre a pesca nas comunidades que podem estar dependendo da capacidade produtiva das áreas berçário que serão afetadas pelo empreendimento;

d) a redução das possibilidades de pesca pode acentuar os conflitos dentro das unidades de conservação, principalmente o aumento da pressão por pesca, exigindo grande esforço de fiscalização e outras medidas;

e) as compensações apresentadas não refletem qualquer benefício direto à manutenção da atividade pesqueira, apenas conduzem a saída dos pescadores da atividade”.


Camarões e peixes

Ao longo do parecer os autores indicam um a um os pontos fracos do EIA/RIMA.


Com relação aos camarões:

A “análise apresentada está repleta de vícios de interpretação, orientadas para negligenciar os efeitos nocivos que o empreendimento pode apresentar às populações de camarões, e, consequentemente, à atividade pesqueira local e regional. Os técnicos responsáveis pelo parecer basearam-se num método amostral que não possui qualquer fundamento científico, especialmente em se tratando de espécies migratórias, que exigem um acompanhamento anual em todos os meses do ano, para verificar as variações nos ciclos de vida. Apesar da falha metodológica, os autores se basearam em sua experiência e na literatura científica que suporta o cenário hipotético de que a área do empreendimento possui alta importância biológica. Porém, nas conclusões e análise final, os autores não se apoiaram nestas bibliografias e realizaram afirmações contraditórias”.


O impacto na pesca:

“1. O diagnóstico não fez qualquer menção aos impactos potencias das atividades de empreendimento (implantação e operação) sobre a pesca artesanal;

2. A análise apresentada trata as pescarias como atividades ‘estanques’, como se os pescadores fossem exclusivos em cada um dos grupos de pescarias;

3. Em função da abordagem metodológica adotada, o diagnóstico apresentado caracteriza a pesca simplesmente como uma atividade produtiva. Porém, a pesca como uma prática tradicional, transcende a atividade produtiva, uma vez que envolve um complexo de relações pescador-pescador, pescadorcomunidade e pescador-oceano”. Por isso, “o EIA apresenta uma análise inconsistente e incompleta que não oferece subsídios para uma análise consistente dos impactos do empreendimento sobre a atividade pesqueira”.


Considerações finais

“1. Os argumentos e concepções apresentadas pelos pescadores sobre a importância da Baía de São Miguel como uma “área berçário” são válidas e encontram apoio na literatura científica. Os mesmos argumentos foram desconsiderados ou analisados de maneira incompleta pelo EIA/RIMA, subestimando um impacto de grande magnitude do ponto de vista ecológico;

2. Os impactos ambientais descritos no EIA/RIMA descrevem de maneira explícita que existe um risco potencial de perda da função berçário para a área diretamente afetada, especialmente relacionada à alteração na profundidade, modificação e/ou mobilização de sedimentos, disponibilização de poluentes na coluna d´água e a movimentação ocasionada pelas obras de dragagem que serão permanentes;

3. A perda da função de berçário pode interferir diretamente na abundância e ocorrência de espécies de interesse comercial, com maior destaque para as espécies de camarões rosa (Farfantepenaeus paulensis, F. brasiliensis) e branco (Litopenaeus schmitti). Estas espécies constituem a base da economia para a maior parte das famílias, cuja indisponibilização deste recurso implicaria no abandono à atividade pesqueira, especialmente os pescadores que utilizam embarcações de motorização inferior a 24 hp, que dependem quase que exclusivamente dos recursos pesqueiros do interior da Baía Norte;

4. A Baía Norte não pode ser tratada como um ecossistema homogêneo, cujos impactos pudessem ser analisados apenas por “impacto por unidade de área”. As áreas rasas e abrigadas possuem funções completamente distintas daquelas áreas mais profundas e sujeitas a uma maior hidrodinâmica. Além disso, considerando a condição de sobreexplotação dos estoques e comprometimento dos ecossistemas costeiros, qualquer alteração destas áreas berçários pode ter grande impacto local e regional.

5. Considerando a característica como área berçário, deve-se considerar a importância local-regional deste ecossistema. Nestes termos, é muito provável que este ecossistema contribua biológica e energeticamente com os ecossistemas próximos, e, portanto, deve também exercer influência sobre a atividade pesqueira regional. Considerando também o caráter migratório das espécies principais, a área direta e indiretamente afetada, em termos de atividade pesqueira, é muito maior que aquela apontada, ampliando o risco socioambiental do empreendimento.

6. Esta condição também evidencia dois efeitos sobre as unidades de conservação. Em primeiro lugar, de caráter direto, o empreendimento pode gerar efeitos diretos sobre as comunidades biológicas residentes no interior da unidades de conservação marinho-costeiras (APA Anhatomirim REBIO Arvoredo, ESEC Carijós e RESEX Pirajubaé), já que espécies marinhas e estuarinas devem compartilhar estas áreas e migrar sazonalmente, de acordo com o seus ciclos de vida. Indiretamente, espera-se que o impedimento à pesca pode “induzir” os pescadores e buscar novas áreas de pesca, acarretando em ações ilegais dentro destas unidades de conservação e/ou conflitos por territórios em áreas de pesca adjacentes.

7. Por fim, nossa experiência em 15 anos de trabalhos no tema indica que a atividade pesqueira mostra sinais de declínio, o que corrobora com muitas outras evidências científicas (Foppa, 2009; Medeiros, 2009; Vasconcellos et al., 2007). As comunidades pesqueiras situadas na Baía Norte parecem demonstrar uma condição de estabilidade socioeconômica, quando comparadas com outras regiões. Pode-se perceber pelo número bastante expressivo de pescadores jovens que estão recrutando na atividade.”


Os pescadores e o mar

Por fim, os autores concluem que “um empreendimento com essas características provocaria uma transformação que tornaria inviável a continuidade da atividade. Torna-se desta maneira, contraditório promover um modelo de desenvolvimento que aponta como “solução” a indenização das famílias de pescadores.

O modelo de desenvolvimento que fatalmente será imposto numa eventual aprovação do empreendimento contraria o contexto local das comunidades pesqueiras. E as compensações previstas não terão o efeito desejado em termos de qualidade de vida das comunidades pesqueiras. É importante entender a pesca como um sistema complexo, como Diegues (2008) destaca três aspectos característicos da pesca artesanal que sustentam a necessidade de um enfoque diferenciado de gestão: a) um sistema econômico e de subsistência diversificado, baseado tanto em terra como no mar; b) a variabilidade e versatilidade dos sistemas pesqueiros, com diversas espécies, objetivos e dimensões; e c) a presença de sistemas comunitários de apropriação dos recursos comuns.

Os pescadores artesanais vivem uma interação com o oceano que não é percebida em outros grupos. Ao mesmo tempo, exibem um conjunto de relações sociais e de identidade comunitária que contribuem para a caracterização destes grupos enquanto populações tradicionais, pois são “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (Decreto 6.040/2007). Neste sentido, de acordo com os impactos percebidos pelos pescadores, este empreendimento interfere os direitos dos pescadores estabelecidos na “Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais”, que tem entre seus objetivos:

I - garantir aos povos e comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica;

IV - garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos.”

Fonte: sambaquinarede2.blogspot.com

2 comentários:

Biguaçu disse...

Vc's moram em Floripa? Ou melhor cagão em Floripa? Primeiro tirem aquela fossa que transborda merda da entrada da ilha, depois, talvez, tenham crédito pra falar do estaleiro.

Flora Neves disse...

Querido senhor anônimo, difícil falar com pessoas anônimas que entram e deixam recados sem argumentos sólidos. Como você vê, nós temos muitooooos argumentos para ser contra a instalação desse crime ambiental, que é o estaleiro, em Biguaçu! Por tanto, me responda você para onde vai o seu coco? Caso você não tenha problemas no seu município volte a responder essa postagem! Caso contrário, traga argumentação para a discussão! Pois sua postagem não acrescenta em nada!
Nós em todo o estado de Santa Catarina, não só na Ilha, temos problemas de saneamento sim! E com certeza a culpa maior não é nossa, ambientalistas que defendemos a preservação dos recursos naturais e a continuidade da vida, e sim de politiqueiros, como os que defendem o estaleiro, que se elegem e depois só querem saber de defender estaleiro e emprendimentos que vão pagar comissões a eles, ao invés de trabalharem junto à população na solução dos reais problemas das cidades, não querem nem saber da população, só tirar o seu e ir embora! Enquanto a população fica, com a destruição de seus ambientes naturais e de suas culturas de subsistência, como pode vir a acontecer em Biguaçu.

Enfim, me venha com argumentos que talvez possamos conversar mais!

Flora Neves. (*_*)