terça-feira, 9 de novembro de 2010

CARTA ABERTA À POPULAÇÃO DE SANTA CATARINA


CARTA ABERTA À POPULAÇÃO DE SANTA CATARINA

SOBRE OS GRANDES EMPREENDIMENTOS PROJETADOS E EM APOIO
A CAMPANHA DE AMOR À ILHA DE SANTA CATARINA

Durante os dias 13 e 14 de outubro de 2010, nós professores/as, pesquisadores/as e estudantes das universidades catarinenses (UDESC, UFSC, UNISUL, UNIVALI), nos reunimos com participantes de movimentos comunitários, pescadores, maricultores, ambientalistas e cidadãos preocupados com o futuro da cidade e do estado, no III Seminário InterUniversitário para discutir diversos aspectos relacionados ao Projeto de Construção do Estaleiro OSX (Grupo Empresarial do bilionário Eike Batista) em Biguaçu, bem como ao Projeto da Fosfateira no município de Anitapólis (SC), vinculado hoje ao grupo da empresa Vale do Rio Doce.

O encontro reuniu cerca de 500 pessoas, dentre as quais pesquisadores das áreas de biologia, oceanografia, sociologia, geografia, arquitetura e urbanismo, direito, jornalismo, serviço social, antropologia, entre outras com o objetivo de conhecer mais profundamente os dois projetos (Fosfateira em Anitápolis e Estaleiro OSX em Biguaçu) e os possíveis impactos ambientais, sociais e econômicos que poderiam gerar.

Chegamos à conclusão que a situação é muito grave e que temos que unir todos os esforços para que enfrentemos esta situação, pois as consequências, mesmo em curto prazo, serão irreparáveis para todo território catarinense.

É importante esclarecer que quando empresas propõem projetos de grande monta, como estes é obrigatório a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA esclarecendo os impactos e as formas previstas pela empresa para amenizá-los.

No caso destes dois empreendimentos a mesma empresa, CARUSO JUNIOR, foi contratada para a elaboração dos mencionados estudos. Ambos os relatórios afirmam a viabilidade dos projetos e que estes não causariam grandes impactos ambientais nas regiões onde se instalariam.

No Seminário mencionado, ao contrário dos Relatórios da empresa, constatamos várias irregularidades técnicas contidas Relatórios com estudos que contradizem as conclusões dos EIAs-RIMAs.

Em primeiro lugar, é fundamental mencionar o parecer elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) - órgão federal de proteção ao meio ambiente, que desaconselha a autorização para construção do empreendimento. Resulta curioso que um dos técnicos que elaborou este Relatório foi destituído do seu cargo, exatamente porque o Relatório do ICMBio contraria o Relatório da Empresa de Consultoria contratada pelo Estaleiro OSX. Repudiamos energicamente este fato no seio de um órgão federal.

Em segundo lugar, no seminário foram apresentados pareceres técnicos, elaborados de forma independente por pesquisadores capacitados que mostram que os Relatórios da empresa Caruso Junior apresentam lacunas e erros gritantes. No relatório referente ao projeto de estaleiro, por exemplo, foram catalogadas 52 espécies de peixes que viveriam na região afetada pelo empreendimento. Destas espécies, 47 foram escritas com nomes errados, duas são típicas de água doce (que sequer vivem em águas salgadas como a da região onde o Estaleiro pretende se instalar) e não constam peixes como a Anchova, tão comuns nas mesas dos pescadores e dos moradores da região.

No caso da Fosfateira de Anitápolis um parecer técnico elaborado pelo Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Tubarão e Complexo Lagunar, em suas conclusões listou 14(quatorze) motivos pelos quais entende que o projeto não deva ser licenciado identificando inúmeras inconsistências no Estudo de Impacto Ambiental. Entre os vários pontos que considerados críticos no empreendimento, podemos citar a interferência/impactos no leito do Rio dos Pinheiros, causado pela modificação do seu curso em função de barramento antrópico, seja pela barragem de captação de água ou pelas barragens de rejeitos que são projetadas para serem executadas a partir, inclusive, do eixo do Rio dos Pinheiros, tendo seus lagos/lâminas d’água e de rejeitos cobrindo ou atingindo suas margens em uma grande extensão de área de vegetação nativa. Esta seria sumariamente suprimida, o que culminaria em diversos impactos de grande relevância em que afetariam, caso implantado o projeto, significativamente as propriedades físicas, químicas e, por consequência, alterações biológicas com reflexos negativos para a saúde humana.

Na defesa destes empreendimentos é destacada a possibilidade de gerar desenvolvimento e empregos para a região onde se instalam. Entretanto, estas promessas - os maiores atrativos para convencer à população devem ser muito bem contextualizadas e analisadas criticamente.

No caso do Projeto do Estaleiro OSX , cerca de 12.500 pessoas , segundo dados da EPAGRI , vivem hoje, da pesca e da maricultura, no litoral,destas, 3500 diretamente, assim como outros tantas famílias de agricultores vivem da agricultura ecológica e do eco-turismo. Estas pessoas teriam suas ocupações ameaçadas, bem como sua qualidade de vida e cultura modificadas drástica e irreversivelmente.

As políticas públicas e as decisões dos governos local, estadual e federal deveriam em sua essência proteger/salvaguardar os empregos e ocupações já existentes assim como o nosso patrimônio ambiental, como manda a constituição. Ao mesmo tempo, deveriam estimular o bem estar de toda a população, em respeito a sua cultura e a sua identidade.

No entanto, o que vemos no caso da Fosfateira e do Estaleiro OSX são medidas gestadas pelo Estado com objetivo único e exclusivo de atender e defender aos interesses empresariais, desconsiderando os interesses coletivos da população local. Os grandes empreendimentos passam por cima de toda a legislação, contando com apoio do sistema político para alterar Códigos e Leis, revelando a desigualdade no tratamento de mega-empreendedores e pequenos produtores familiares. É revelador neste ponto o fato de que, na área afetada pelo estaleiro, anos atrás, foi negada a permissão de pesca artesanal, em razão de ser esta uma área de proteção ambiental.

Restou evidenciado no seminário que as comunidades agricultoras, pescadores, maricultores e os moradores das regiões diretamente atingidas não foram consultados de forma correta e adequada, com amplo conhecimento dos impactos e das implicações das obras, como sugerem as leis de Planejamento Urbano, desconsiderando os saberes tradicionais e os direitos culturais que estas comunidades detêm e que as caracterizam.

Neste sentido, é necessário contestar a forma autoritária, apressada e enganosa com que o processo está sendo conduzido pelos órgãos competentes do poder público. Não é possível concordar com isto: é fundamental que a sociedade decida seu futuro, de forma participativa fundada em estudos científico-técnicos, nos conhecimentos tradicionais dos moradores e na prudência no uso dos recursos naturais.

Chamamos atenção para o fato de que está em curso no litoral de Santa Catarina o Programa Estadual de Gerenciamento Costeiro elaborado também por uma empresa de consultoria, a AMBIENS, em conjunto com a Secretaria Estadual de Planejamento de Santa Catarina. Este tem como finalidade elaborar o Diagnóstico Ambiental do litoral catarinense a ainda o Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro - ZEEC. Os resultados técnicos destes produtos são de natureza amadora, tecnocrática e de qualidade duvidosa, pois não refletem a realidade socioambiental e econômica da zona costeira de Santa Catarina. Os relatórios apresentados pela empresa possuem dados defasados, inconsistentes e com qualidade técnica analítica e interpretativa inexistentes. O mesmo não possui visão de longo prazo e não traduz os anseios da sociedade costeira catarinense, pois a proposta do Zoneamento Costeiro é baseada num sistema de participação manipulativa, passiva e funcional. Coincidentemente, para o litoral Central de Santa Catarina o zoneamento referenda para o município de Biguaçu a instalação do estaleiro por meio da criação de uma Zona Portuária e Retroportuária baseada somente no Plano Diretor de Biguaçu, sendo este instituído em 2009, ou seja, durante a execução do EIA do estaleiro OSX no município. Nos produtos apresentados pela empresa AMBIENS sequer existem análises estratégicas sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos em escala local e regional decorrentes de empreendimentos de grande porte, como é o caso do estaleiro OSX. Destaca-se que a qualidade dos produtos da empresa AMBIENS também é estendido para todo o litoral de Santa Catarina. Portanto, é necessário exigirmos urgentemente transparência, seriedade técnica e democratização na gestão do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro (GERCO) transformado hoje, infelizmente, antes em uma espécie de empresa de promoção de investimentos, do que em um instrumento de planejamento criterioso dos recursos naturais do litoral do Estado.

É fundamental, no caso de Florianópolis, a retomada do processo do Plano Diretor Participativo e da discussão aprofundada acerca do uso da costa, das águas e dos recursos econômicos, culturais e ambientais afetados pelos empreendimentos propostos.

Acreditamos que existem outras formas de gerar trabalho e desenvolver um estado como Santa Catarina. Manter os empregos gerados hoje já é uma das maneiras de preservar a cultura e a identidade locais. Não precisamos de projetos que beneficiam uma minoria e que desconsideram a população local e suas atividades. Não precisamos de empresas que querem somente tirar seus lucros e quando estes diminuem, simplesmente mudam-se de lugar num piscar de olhos, deixando para trás um rastro de problemas que terão que ser administrados por nosso filhos e netos.

Não há medidas compensatórias que possam diminuir o impacto destes projetos! Somos, por tudo isso, contrários a instalação do estaleiro OSX, em Biguaçu, bem como da Fosfateira, em Anitápolis.

Temos hoje, elaborado pelas mãos da população no processo do Plano Diretor Participativo, propostas de desenvolvimento econômica, cultural e ambientalmente sustentável, onde o crescimento econômico seja posto a serviço da sociedade. É necessário garantir os espaços que viabilizam a participação popular nos municípios, nas áreas costeiras, nas unidades de conservação.

Temos cientistas, técnicos, pesquisadores verdadeiramente preocupados com os destinos sociais de seus saberes, e comprometidos com as propostas de desenvolvimento com preservação da qualidade de vida e da preservação do meio ambiente.

Queremos que as autoridades que estão à frente dos poderes públicos apóiem projetos de desenvolvimento do Estado guiados não por interesses imediatos, mas por interesses maiores de um futuro sustentável que nasce das mãos do povo catarinense pensando nas futuras gerações.

Comitê InterUniversitário de pesquisadores e docentes da UDESC, UFSC, UNISUL, UNIVALI

Marcus Polette (Univali), Leopoldo Cavaleri Gerhardinger (Unicamp), Lino Peres (UFSC), Raul Burgos (UFSC), Hoyedo Lins (UFSC) e Margarete Pimenta (UFSC)

Um comentário:

simi disse...

Li tudo sobre o Estaleiro e fico pasma como uma questão tão importante ainda não tomou as dimensões merecidas! A população parece ainda não saber o que realmente está acontecendo. A discussão ainda permanece entre intelectuais e comunidades afetadas diretamente. Como transformar essa questão em discussão de massa é minha maior dúvida. Divulgo em redes sociais, divulgo entre amigos. Mas e a mídia? Precisamos nos mobilizar! Precisamos nos agilizar!