Famosa pela beleza e pela tradicional produção de pescado, a Baía de Sepetiba vive impasse econômico e ambiental com a construção de uma siderúrgica e um porto para uma minerador.
Por: Maurício Thuswohl
Publicado em 05/04/2009
Claudeci e sua rede vazia (Foto: Rodrigo Queiroz)
Seis horas no mar, e um único peixe na rede lambuzada de óleo. Na chegada à Baía de Sepetiba, Rio de Janeiro, o pescador Claudeci Monteiro, 63 anos, sente-se num “beco sem saída” ao ver o que acontece na Ilha da Madeira, município de Itaguaí, onde há 35 anos sobrevive da venda do pescado. A região é marcada por agressões ambientais e pela degradação de sua principal atividade econômica: “Gastei 30 reais de combustível e voltei com uma corvina de dois quilos. Antes o barco vinha tão cheio que eu me deitava por cima delas. O tempo que gastava limpando peixes agora gasto para limpar a rede”, lembra, enquanto lava o rosto nas águas da baía que, em breve, abrigará projetos faraônicos, como a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) e o porto de minério da LLX.
A Baía de Sepetiba já foi a segunda maior produtora de pescado do Brasil, com toneladas diárias de camarões, siris, corvinas, sardinhas e mariscos. Hoje, apesar da degradação ambiental, econômica e social, cerca de 8 mil pescadores registrados vivem em localidades como Coroa Grande, Itacuruçá e Mangaratiba: “Para sobreviver, muitos usam seus barcos para atender turistas”, explica Sérgio Hiroshi Okasaki, o Japonês, presidente da Associação de Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira (Aplim).
E mesmo o turismo, segundo Hiroshi, pode ficar condenado. “Aqui nessa linda praia da Ilha da Madeira funcionará o terminal de minério da LLX e uma área de manobras de navios da CSA”, lamenta Japonês, que vê a cultura do local abalada. “Aqui se pesca há 400 anos, mas as novas gerações não têm o mesmo conhecimento das anteriores. Tem gente que não é pescador, mas puxador de rede.”
Equipar um barco de pesca de médio porte, para 15 homens, custa R$ 8 mil, segundo a Aplim. Com essa dura realidade, os pescadores acabam como “puxadores de rede” das empresas que praticam pesca industrial. O caráter predatório dessa modalidade já expõe seus efeitos, como comprova o estado de abandono do outrora movimentado terminal de desembarque de pescado de Coroa Grande: “Com a escassez do pescado, em nome da ganância, as empresas usam barcos de pesca oceânica dentro dos limites da baía, o que configura grave crime ambiental”, afirma Marcos Garcia, delegado da Confederação Nacional das Federações de Associações de Pescadores Artesanais (Confapesca) naquela região.
Impedidos de pescar
Com apoio federal, estadual e municipal, a instalação da CSA pode acabar de vez com a pesca na Baía de Sepetiba. Controlada pelo grupo alemão ThyssenKrupp (90%) em sociedade com a Vale (10%), será a maior usina siderúrgica da América Latina, com produção prevista de 5 milhões de toneladas de placas de aço por ano a partir de 2010. Com investimentos de € 5 bilhões, os alemães esperam gerar 10 mil empregos diretos. “Esses empregos, até agora, não estão sendo oferecidos aos moradores da região”, afirma Garcia. As contratações feitas até março pela CSA são de 1.500 técnicos provenientes de Minas Gerais e de 600 operários vindos da China. Os responsáveis da ThyssenKrupp pelo projeto brasileiro, o maior fora da Alemanha, justificam que “os chineses detêm expertise reconhecida internacionalmente na construção de fornos de coque”.
Garcia conta que a CSA esboçou um acordo com as famílias de pescadores e chegou a acenar com uma indenização de R$ 33 mil por pescador afetado. “Esse acordo jamais foi cumprido. Temos famílias passando fome e vivendo da doação de cestas básicas”, afirma. A postura inicial de negociação, segundo ele, foi substituída pela hostilidade: “Existem patrulhas armadas, mantidas pela empresa, para não deixar que os barcos dos pescadores se aproximem. Estão nos impedindo de pescar. Desse jeito, a violência pode explodir em pouco tempo”.
Ainda mais grave é a questão ambiental, como explica o delegado da Confapesca: “A CSA vai ocupar uma área de cerca de um quilômetro entre as fozes de dois importantes canais que deságuam na baía, Guandu e São Francisco. Além de suprimir extensas áreas de manguezal, a empresa realizou uma preocupante dragagem no fundo da baía para construir um porto em forma de “T” com quatro quilômetros de extensão. Em alguns pontos, o fundo escavado foi de 12 para 23 metros, a fim de possibilitar o intenso tráfego de navios. Isso revolveu uma enorme quantidade de metais pesados que estavam no fundo da baía e acabou por sumir com o pescado”.
Como reação, seis ações indenizatórias movidas por diversas associações de pescadores da região correm na Justiça contra a empresa. Victor Mucare, advogado de 5.700 pescadores, estima em dez anos o período em que a atividade pesqueira será inicialmente afetada pela siderúrgica: “Segundo a Federação da Indústria Pesqueira do Rio de Janeiro, um pescador ganha, em média, de três a cinco salários mínimos por mês. O valor das indenizações por lucro cessante será calculado nessa base e multiplicado por dez anos. Além da indenização por perdas e danos, em torno de R$ 30 mil por pescador”.
O Ministério Público também move uma ação penal contra a CSA, o governo do Rio de Janeiro e a Feema (órgão estadual responsável pelo licenciamento da siderúrgica) por danos ambientais e irregularidades no processo: “Por se tratar de um projeto que engloba o ambiente marinho, o licenciamento deveria ser feito pelo Ibama”, diz Mucare. Há ainda uma ação civil pública de embargo imediato das obras da CSA, movida pela Aplim e pela Associação dos Pescadores Artesanais da Ilha da Madeira. A soma pleiteada passa dos R$ 300 milhões.
“Não queremos cala-bocas”
Outro projeto que tem impacto negativo sobre a região, em particular a Ilha da Madeira, é a construção do Porto Sudeste, terminal portuário da LLX, empresa do grupo EBX, controlado pelo empresário brasileiro Eike Batista. Se inaugurado no segundo semestre de 2011, o Porto Sudeste poderá armazenar até 25 milhões de toneladas de minério de ferro por ano e movimentar 20% de todo o minério exportado pelo Brasil.
“Existe pressão para que os pescadores da Ilha da Madeira vendam sua casa. Dizem que, se eles não venderem, serão desapropriadas. Querem dizimar a Ilha da Madeira e transformar tudo aqui num gigantesco depósito de minério”, diz Japonês, da Aplim. Garcia completa: “O Eike nos ofereceu caminhões frigoríficos, mas não queremos cala-bocas. Queremos ter o direito de trabalhar e ganhar o próprio sustento”.
Cinco ações movidas por associações de pescadores pedem a imediata suspensão das licenças de instalação do Porto Sudeste: duas em Itaguaí, duas em Mangaratiba e uma no Rio de Janeiro. A 14ª Vara de Fazenda Pública do RJ embargou o projeto até que as denúncias de irregularidades ambientais sejam apuradas. “Os advogados da LLX, os mesmos da CSA, estão se mexendo para reverter essa liminar, mas o fato é que a empresa realizou seus estudos de impacto ambiental como se não houvesse outros empreendimentos impactantes no entorno da baía”, explica o advogado dos pescadores. “A LLX não pode ir além do que a CSA já causou, pois isso fará a baía entrar em colapso. A própria empresa admite que sua instalação pode implicar na extinção de espécies marinhas.”
Distante desse imbróglio, Claudeci Monteiro ajeita em sua bicicleta a única corvina pescada nas seis horas de labuta. “Não queria indenização, mas poder continuar a viver aqui e voltar a pescar como antes”, desabafa.
O outro lado: empresas negam impacto ambiental
O ThyssenKrupp negou a possibilidade de haver colapso da pesca na Baía de Sepetiba: “O projeto de construção da ThyssenKrupp CSA, aprovado pelos órgãos ambientais competentes, foi desenvolvido de acordo com padrões europeus e brasileiros. A preservação de 1,5 milhão de metros quadrados da área de mangue junto à linha de costa do terreno e a operação de dragagem necessária à construção do terminal portuário foram amplamente discutidas com as partes interessadas e todas as medidas tomadas para assegurar a não existência de impacto ambiental significativo em decorrência dessas atividades”. A assessoria da empresa alegou, ainda, ter adotado “práticas modernas de dragagem”, que evitou a dispersão dos metais pesados, além de as “autoridades ambientais brasileiras imporem rigorosas exigências para minimizar o impacto de dragagem do canal de navegação na área do porto, assegurando ainda monitoramento da qualidade da água, da fauna e da flora”.
Já a direção da LLX argumentou ter feito estudos de impacto ambiental na atividade pesqueira: “Em nenhum deles foi detectado impacto significativo para a pesca. O que foi detectado é que serão criadas áreas de exclusão de pesca no local ocupado pelas estruturas do porto e no trecho entre ele e o canal para o Porto de Itaguaí”. Nessas áreas de exclusão, a LLX promete implantar programas de apoio à atividade pesqueira, a serem elaborados em conjunto com os pescadores, para compensar eventuais perdas.
As duas empresas afirmam ter boa relação com a população local. A TKCSA diz que investirá R$ 10 milhões em melhorias estruturais e a CSA citou o programa de treinamento firmado com o Senai-RJ para capacitar aproximadamente 1.800 alunos, com o objetivo de formar mão-de-obra local. Os participantes do processo foram selecionados em agosto de 2007.
As acusações de “pressão” para que os pescadores vendam as casas para a LLX ampliar suas instalações de minério foram refutadas pela empresa, que, no entanto, admite haver impacto sobre a saúde dos moradores: “(...) Os demais imóveis no entorno do empreendimento serão incluídos no Programa de Relocação para garantir a segurança e a qualidade de vida dos moradores, já que a instalação e a operação do Porto Sudeste vão gerar impactos, como aumento do tráfego de caminhões, ruídos e vibração, entre outros”.
O ThyssenKrupp negou a possibilidade de haver colapso da pesca na Baía de Sepetiba: “O projeto de construção da ThyssenKrupp CSA, aprovado pelos órgãos ambientais competentes, foi desenvolvido de acordo com padrões europeus e brasileiros. A preservação de 1,5 milhão de metros quadrados da área de mangue junto à linha de costa do terreno e a operação de dragagem necessária à construção do terminal portuário foram amplamente discutidas com as partes interessadas e todas as medidas tomadas para assegurar a não existência de impacto ambiental significativo em decorrência dessas atividades”. A assessoria da empresa alegou, ainda, ter adotado “práticas modernas de dragagem”, que evitou a dispersão dos metais pesados, além de as “autoridades ambientais brasileiras imporem rigorosas exigências para minimizar o impacto de dragagem do canal de navegação na área do porto, assegurando ainda monitoramento da qualidade da água, da fauna e da flora”.
Já a direção da LLX argumentou ter feito estudos de impacto ambiental na atividade pesqueira: “Em nenhum deles foi detectado impacto significativo para a pesca. O que foi detectado é que serão criadas áreas de exclusão de pesca no local ocupado pelas estruturas do porto e no trecho entre ele e o canal para o Porto de Itaguaí”. Nessas áreas de exclusão, a LLX promete implantar programas de apoio à atividade pesqueira, a serem elaborados em conjunto com os pescadores, para compensar eventuais perdas.
As duas empresas afirmam ter boa relação com a população local. A TKCSA diz que investirá R$ 10 milhões em melhorias estruturais e a CSA citou o programa de treinamento firmado com o Senai-RJ para capacitar aproximadamente 1.800 alunos, com o objetivo de formar mão-de-obra local. Os participantes do processo foram selecionados em agosto de 2007.
As acusações de “pressão” para que os pescadores vendam as casas para a LLX ampliar suas instalações de minério foram refutadas pela empresa, que, no entanto, admite haver impacto sobre a saúde dos moradores: “(...) Os demais imóveis no entorno do empreendimento serão incluídos no Programa de Relocação para garantir a segurança e a qualidade de vida dos moradores, já que a instalação e a operação do Porto Sudeste vão gerar impactos, como aumento do tráfego de caminhões, ruídos e vibração, entre outros”.
Em relação às ações judiciais, as duas empresas afirmam ser “ato isolado” de algumas entidades de pesca. A Secretaria do Ambiente do Rio de Janeiro informou que os licenciamentos dos projetos da CSA e do Porto Sudeste foram realizados de acordo com a legislação ambiental. A alegação de associações de pescadores de que o licenciamento do Porto Sudeste deveria ter sido feito pelo Ibama, e não pelo órgão estadual, uma vez que afeta o ambiente marinho, foi contestada: “O Porto Sudeste encontra-se dentro da área do estado e dentro de águas interiores. A Procuradoria-Geral do Estado já rebateu as acusações e as obras estão em andamento”, diz a secretaria.
Fonte: http://www.redebrasilatual.com.br/revistas/34/morte-anunciada-de-uma-triste-baia
Nenhum comentário:
Postar um comentário